À Conversa: Caminhos Controversos

Sara Correia
7 min readMar 27, 2021

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Crescer com medo. Crescer em silêncio. Bullying Verbal. Bullying Físico. Pensamentos e sentimentos guardados somente para nós.

Infância. Palavra e momento da vida que nos marca a todos, geralmente de forma positiva, mas, dificilmente percebemos o que de positivo nos pode trazer esta palavra quando passamos por uma experiência como a que apresentamos hoje: o Bullying.

Angústia, sofrimento, solidão, visibilidade negativa, beco sem saída… qualquer adjetivo ou frase semelhante pode-nos remeter a uma infância assim. É sem dúvida um acontecimento marcante, um acontecimento que vem sempre derrubar todos os feitos que foram concretizados até ao momento.

Por onde começar? Bullying Verbal ou Bullying Físico: se fizermos uma rápida pesquisa no Google, chegamos à conclusão de que o significado destas palavras pode ter uma dimensão consideravelmente maior e mais poderosa que o que idealizávamos.

Bullying

De acordo com o Professor de Filosofia, Pedro Menezes, “O bullying é toda a forma de agressão praticada ou sofrida repetidamente ou de modo contínuo num ambiente infanto-juvenil. Esses atos de violência podem envolver um ou mais tipos de bullying, sendo prejudicial para o desenvolvimento saudável dos jovens.”.

São anos de sofrimento e solidão. O silêncio acaba por se tornar na melhor arma, parecendo o melhor mecanismo de defesa e, por isso, a frase mais comum nestas vítimas, mesmo sendo 100% errada, é “Estou bem”.

Infelizmente, o bullying encontra-se presente desde sempre e, referindo a Psicóloga Patrícia Tavares, do Acredita — Psicologia e Desenvolvimento, o bullying não é um problema de agora. São cada vez mais as preocupações em torno desta temática. Por sua vez, admite ainda que, este problema tem vindo a agravar-se com o poder da Internet.

Deste modo, tive a oportunidade de estar à conversa com uma pessoa que foi vítima de bullying durante inúmeros anos, que nos veio abrir o seu coração com total transparência, contando-nos toda a sua experiência e superação.

Por motivos pessoais e por respeito à pessoa entrevistada, a identidade da mesma permanecerá anónima.

1º pergunta: Quando é que foi a primeira vez que foi alvo de bullying?

Anónimo: Aos 6 anos de idade, durou até aos 10 anos.

2º pergunta: Que tipo de bullying lhe foi infligido?

Anónimo: Físico e verbal. A pessoa, neste caso um rapaz, batia me todos os dias. Era alvo de chacota. A pessoa agarrava-me e atirava-me contra coisas ou até mesmo contra o chão. Insultavam-me e diziam-me coisas, como “és gordo/a” “não vais ser incluído/a em nenhum grupo” Era muito posto/a de parte, até que um dia cheguei efetivamente a casa com uma mão marcada nas costas.

3º pergunta: Contou a alguém que estava a ser vítima de bullying?

Anónimo: Não, na altura não sabia o que era.

4º pergunta: Não contou porquê?

Anónimo: Não contei porque, como sempre fui o/a mais alto/a da turma e era muito grande, a minha mãe tinha medo que, às vezes a brincar me magoasse por ser muito bruto/a. Deste modo, ela dizia-me sempre para não me meter com as pessoas, para não pagar na mesma moeda caso me batessem, apenas questionar o porquê da pessoa me estar a fazer aquilo, mas para não agir da mesma maneira. Posto isto, considerava normal e acabava por não contar a ninguém.

Passado algum tempo, descobriram que eu realmente sofria de bullying quando, uma vez, cheguei a casa e no banho a minha avó reparou que tinha uma mão marcada nas costas. A minha avó avisou a minha mãe, e quando ela me levantou a camisola e viu a marca, foi imediatamente falar com a professora a expor o sucedido.

5º pergunta: Teve algum comportamento de risco associado ou ponderou ter?

Anónimo: A primeira vez que sofri de bullying foi dos 6 aos 10 anos, como já referi e, nessa altura não pensei nisso. Na segunda vez, quando passei para o segundo ciclo, já não existia o bullying físico, apenas verbal. Continuava a ser posto/a de parte e a ouvir comentários sempre muito negativos como “és gordo/a” “és feio/a” “nunca devias ter nascido”. Coisas que na altura me magoaram e tiveram repercussões que me levaram a cometer atos dos quais não me orgulho até aos dias de hoje: automutilei-me.

6ºpergunta: Na altura falou sobre este comportamento a alguém?

Anónimo: Não, a minha irmã mais tarde descobriu. Uma noite adormeci com as mangas da camisola para cima e as cicatrizes encontravam-se visíveis.

7º pergunta: Procurou ajuda de algum profissional?

Anónimo: Não. Sempre tentei ultrapassar sozinho/a, não queria ter alguém ao meu lado a dizer “tu tens que fazer isto”. Pensava que estava a passar por aquilo para retirar alguma coisa, não sendo de todo um pensamento correto, porque ninguém deve sofrer de bullying para conseguir algum propósito na vida.

8º pergunta: O que fez para ultrapassar essas fases?

Anónimo: Agora olho para trás e penso que se isto acontecesse nos dias de hoje não agiria como agi, pois, na altura não tinha tantas defesas dentro de mim. Armava-me muito em forte, mas se me tocassem eu desfazia me em lágrimas. Felizmente foi a fase em que conheci os meus melhores amigos e, indiretamente, sem saberem o que se passava, ajudaram-me a não pensar no assunto ao puxarem-me para o seu lado. Defendiam-me e não me deixavam de parte e penso que foi com o passar do tempo que aprendi a lidar com o assunto. Eu realmente não superei, apenas aprendi a lidar com o assunto. É um trauma que fica para sempre, somos crianças e às vezes pensamos “porque é que isto está a acontecer?” “porque é que as pessoas são tão cruéis?”. Na altura não fazia nada por iniciativa própria, mas lidava como tinha de lidar, porque também ninguém em casa sabia o porquê, não queria mostrar fragilidade. Sempre tive uma máscara.

9º pergunta: O que retira desta experiência?

Anónimo: Independentemente de tudo, devemos amarmo-nos como somos. Claramente que é algo que nos irá marcar para sempre, mas, temos que pensar que não é pelos outros acharem que nós somos isto ou aquilo, que nós realmente temos que achar que somos isto e aquilo. Temos que olhar ao espelho e gostarmos de nós como somos e pensarmos que a culpa não é nossa. Na altura pensava muito assim, mas hoje em dia não faria isso, por ser mais velho/a. Por ter sido vítima de bullying e devido a tudo o que passei, construí mecanismos de defesa e acabei por me tornar numa pessoa mais forte. Todavia, o bullying trouxe-me a questão da máscara. Nunca ninguém consegue realmente conhecer-me, nunca ninguém sabe o que está para além do meu sorriso, porque aparento estar sempre feliz para as outras pessoas.

Quero, no futuro, mostrar aos meus filhos que eles não são aquilo que as pessoas dizem, que têm que arranjar os seus próprios mecanismos de defesa e perceberem que aquilo que aquele tipo de pessoas diz não vale nada. Na altura fui muito gozado/a, mas hoje, ao passar por essas pessoas, vejo que estas não são ninguém, enquanto eu estou a ter uma vida de sucesso.

10ºpergunta: O que diria à sua pessoa do passado?

Anónimo: És um/uma guerreiro/a, tu conseguiste, tu ultrapassaste. Bora, foi isto que te fez tornar na pessoa que és hoje. You go!

Enough

À vista desta conversa incrível e marcante, tive o agrado de estar à conversa com a Psicóloga Clínica — Micaela Gonçalves, que, ao ter trabalhado com este tipo de vítimas, avaliou este caso real dando alguns conselhos cruciais sobre este tema tão delicado.

1º Pergunta: Tendo em conta esta conversa e, relativamente ao bullying na idade em questão, isto ainda é algo frequente nos dias de hoje?

Micaela Gonçalves: Infelizmente o bullying surge em todas as faixas etárias, desde a infância até à idade adulta. Penso que a frequência de bullying não aumentou, apenas se tornou mais visível devido à ênfase que se tem dado ao tema atualmente.

2º Pergunta: O facto de o indivíduo não contar a ninguém que estava a ser vítima de bullying, é algo expectável? Porquê?

Micaela Gonçalves: Sim, a vergonha de nos mostrarmos fragilizados, juntamente com a idealização de que é algo natural de acontecer frequentemente, pode-nos levar a concordar com o que nos é dito na altura, tornando o secretismo expectável.

3º Pergunta: A automutilação talvez seja, infelizmente, um dos comportamentos de risco mais comuns em casos de bullying. Como avalia esse ato?

Micaela Gonçalves: A automutilação surge muitas vezes como uma forma de atenuar a dor psicológica, sendo que, a dor física irá estar na ribalta colocando a dor psicológica nos bastidores.

4º Pergunta: Nestes casos, a ajuda de um profissional é crucial. Porque é que ainda existe esta barreira de aceitar ou até mesmo pedir esse auxílio?

Micaela Gonçalves: Ainda existe algum estigma referente à saúde mental e, infelizmente, psicólogos e psiquiatras ainda são percecionados como um recurso apenas para pessoas menos “sãs”.

5º Pergunta: Como avalia toda a superação da pessoa entrevistada?

Micaela Gonçalves: É extraordinária a sua capacidade de resiliência e força de vontade para mudar o rumo da sua vida. Penso que o suporte dos amigos que angariou mais tarde foi essencial para se sentir apoiado/a e mudar a perceção de si mesmo/a.

6º Pergunta: Que conselhos dá a todas as pessoas que são vítimas de bullying?

Micaela Gonçalves: Que desabafem com alguém. Não sofram em silêncio, procurem um psicólogo se acharem que precisam de alguém imparcial que os ajude nesta fase das suas vidas. Todos nós temos fases menos positivas, todos temos partes de nós que não apreciamos, mas todos merecemos ser felizes e amarmo-nos tal como somos.

Perfazendo, quero agradecer especialmente à pessoa entrevistada pela sua abertura no decorrer desta entrevista e, pela partilha de toda a sua história emocionante de coragem e superação. Espero que toda a sua determinação continue a estar presente no decorrer da sua vida.

À Psicóloga Clínica, Micaela Gonçalves, o meu mais sincero agradecimento por todo o seu profissionalismo de excelência transmitido, pela sua disponibilidade e colaboração.

A ti que estás desse lado: não deixes que assuntos negativos te consumam ao ponto de te perderes, de não saberes qual caminho seguir. Solta-te, sê livre, sê corajoso e expõe tudo. Não te permitas experienciar situações deste género. Vive intensamente cada momento da tua vida, seja ele bom ou menos bom, pois todas as experiências que atravessas expõem uma lição e definem a pessoa que és ou que te irás tornar.

Coloca-te sempre em primeiro lugar!

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Sara Correia

20 ▪️ Marketing, Advertising and PR Student ▪️ 🇵🇹